O futuro da FAO: desafios e caminhos para uma alimentação global sustentável
Publicado em 29/10/2025 09:50
Geral

Em 2025, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) celebra 80 anos de atuação. Mais do que uma instituição histórica, a entidade se consolidou como um farol global diante das transformações que desafiam a segurança alimentar — crises climáticas, sociais e tecnológicas que impactam a vida de bilhões de pessoas

Em artigo que encerra uma série especial em homenagem à FAO, a ex-parlamentar e advogada especializada em direito internacional Renata Bueno destaca a urgência de mudanças estruturais na forma como produzimos, consumimos e distribuímos alimentos.

Alimentação em transformação

Segundo o relatório The Future of Food and Agriculture: Trends and Challenges, da própria FAO, o modelo atual de produção e consumo não é sustentável. “Business as usual” deixou de ser uma opção. Para garantir um planeta saudável e nutrir a população global, é necessário repensar o sistema do campo às cidades, das políticas públicas às cadeias de valor.

A revolução tecnológica no campo

Tecnologias como inteligência artificial, biotecnologia e agricultura de precisão já estão transformando os sistemas agroalimentares. Drones monitoram solos, algoritmos otimizam colheitas e a edição genética via CRISPR pode aumentar a produtividade em até 70% em regiões vulneráveis, segundo a FAO.

Essas inovações têm potencial de reduzir desperdícios em até 30% e mitigar a fome em áreas áridas da África Subsaariana. No entanto, a dependência tecnológica também pode excluir milhões de pequenos agricultores, que respondem por 80% da produção nos países em desenvolvimento.

Na Itália, Renata Bueno observou o paradoxo: a digitalização impulsionou exportações de produtos artesanais, mas comunidades rurais sem conectividade ficaram ainda mais isoladas. Por isso, programas como o FAST Partnership, que unem clima, agrifood e finanças para acelerar tecnologias inclusivas, são considerados fundamentais.

Clima como disruptor global

As mudanças climáticas já afetam a agricultura global. Até 2050, o aquecimento poderá reduzir colheitas em até 20% em regiões tropicais, aumentando a insegurança alimentar de 500 milhões de pessoas. Secas, enchentes e eventos extremos já custam bilhões e tornam dietas saudáveis inacessíveis a 2,4 bilhões de pessoas, segundo o SOFI 2025.

Nesse contexto, a FAO deve promover a agricultura climática-inteligente, combinando agroecologia, reflorestamento e inovação verde para reduzir emissões e proteger a biodiversidade. A geração de créditos de carbono a partir de práticas agrícolas sustentáveis surge como um eixo estratégico, permitindo que propriedades rurais preservem solos e florestas, neutralizando emissões e gerando investimentos verdes.

Desigualdade social e insegurança alimentar

A urbanização acelerada e a desigualdade de gênero ampliam desafios. Até 2050, 68% da população mundial viverá em áreas urbanas, criando “desertos alimentares” — regiões com acesso limitado a alimentos frescos. Mulheres representam 43% da força de trabalho agrícola, mas enfrentam barreiras no acesso à terra, crédito e tecnologia.

Pandemias e conflitos recentes, como os da Ucrânia e Sudão, evidenciam vulnerabilidades: a fome aguda atinge 281 milhões de pessoas. Superar esse quadro exige políticas integradas de proteção social, empoderamento feminino, inclusão digital e valorização de saberes tradicionais.

Os grandes desafios da FAO

Renata Bueno aponta três desafios estratégicos da organização:

Fragmentação – Falta de integração entre setores como agricultura, saúde e comércio.

Financiamento – Investimentos em pesquisa e desenvolvimento agrícola estão em queda, comprometendo metas dos ODS.

Credibilidade – Em tempos de desinformação, é crucial reafirmar a FAO como fonte confiável de dados e políticas públicas.

O relatório Transforming Food and Agriculture Through a Systems Approach indica que a governança integrada — envolvendo governos, ONGs e setor privado — é o caminho para superar esses obstáculos. O World Food Forum 2025, voltado para juventude e inovação, será uma oportunidade para renovar compromissos globais.

FAO: catalisadora da transformação

A FAO precisa atuar como:

Catalisadora de transformação, promovendo os “Quatro Betters”: melhor produção, melhor nutrição, melhor meio ambiente e melhor qualidade de vida.

Promotora de equidade, garantindo que inovação e tecnologia cheguem a mulheres, jovens e pequenos produtores.

Guardiã da resiliência, antecipando crises e fortalecendo comunidades vulneráveis diante de eventos climáticos extremos.

No Brasil e na Itália, programas alinhados a esses objetivos já integram sustentabilidade, inovação e neutralização de carbono como pilares de uma nova economia verde.

Um mosaico de esperança

“O futuro da FAO será definido pela sua capacidade de inspirar uma revolução solidária”, afirma Renata Bueno, citando o diretor-geral Qu Dongyu: “Transformação é como um mosaico – requer muitas mãos, cores e imaginação.”

Governos, produtores, pesquisadores e cidadãos estão chamados a unir esforços para construir um sistema alimentar mais justo, sustentável e ambientalmente neutro. O mundo observa, e confia que, sob a liderança da FAO, o pão de amanhã será compartilhado por todos.

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